Data: 6/11/2007
Discussão sobre ascendência quilombola em São Francisco do Paraguaçu provoca ‘racha’
A discussão em torno da existência de uma comunidade remanescente de quilombo causou um racha entre os habitantes do povoado de São Francisco do Paraguaçu, no município de Cachoeira, no recôncavo baiano. O clima de animosidade já provocou ameaças de morte, brigas entre pessoas de uma mesma família, denúncias de fraude no recolhimento de assinaturas para o reconhecimento dos quilombolas, uma ação na justiça e queixa na Polícia Federal.
“Lá ou você é quilombola, ou é quilombola. Se disser que não é, sofre ameaças e pressão de todos os tipos”, afirmou Elissandra dos Santos Ribeiro, integrante de uma comissão de moradores do povoado que não se reconhece como descendente de escravos. Ela fez a denúncia ontem, durante uma visita à redação do Correio da Bahia, à qual esteve acompanhada por Elizabete Batista Souza e Adriano Santos Silva, todos moradores da área em questão.
A comissão que eles integram afirma representar os interesses de aproximadamente 330, das 350 famílias da localidade, e foi a autora de uma ação judicial na 14ª Vara da Justiça Federal, contra a Fundação Cultural Palmares (FCP), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Associação dos Remanescentes do Quilombo de São Francisco do Paraguaçu-Boqueirão. Por causa da ação, a juíza Cynthia de Araújo Lima Lopes emitiu uma liminar suspendendo o processo de reconhecimento até que o mérito seja julgado. “Eu sou negra e me orgulho da minha cor e cultura. Agora não me venham pedir para ser quilombola só para receber benefícios do governo. Daqui a pouco vão querer que eu seja índia também”, afirmou Elizabete.
Todos os três afirmam que foram vítimas de coação por parte de uma suposta minoria de moradores, interessada na demarcação de terras de aproximadamente cinco mil hectares, onde hoje existem centenas de residências e 17 fazendas. “Eu não consigo mais levar minha filha à escola. Tenho medo pois eles são violentos”, desabafou Elissandra. Caso a área seja reconhecida como um antigo quilombo, as terras serão desapropriadas e passarão a ser de propriedade coletiva, não podendo ser vendidas, trocadas ou alugadas.
A disputa entre os supostos quilombolas e fazendeiros da região vem desde 2005, mas ganhou notoriedade depois de uma reportagem da TV Bahia veiculada em maio de 2007, no Jornal Nacional. A Fundação Palmares foi acusada de dar entrada em um processo de reconhecimento de quilombo, solicitado através de 66 assinaturas colhidas entre pescadores e lavradores da região. O detalhe é que algumas pessoas declararam que só assinaram o pedido entregue pelo líder comunitário Anselmo Ferreira, porque foram informadas que se tratava de uma solicitação para equipamentos para pesca.
A denúncia gerou uma Comissão de Sindicância realizada pela própria FCP, que após seis meses de investigação ratificou o pedido de reconhecimento como lícito. Segundo o relatório da Sindicância, não houve denúncias de irregularidades, mas sim “um intrincado esquema para dar início a um processo de desconstrução dos procedimentos de identificação quilombola”. Para obter mais esclarecimentos, o Correio da Bahia entrou em contato, ontem à tarde, com o escritório da FCP em Brasília e, às 17h, foi informado que não havia mais funcionários na instituição no momento.
Durante as investigações da própria FCP, não foram considerados provas de fraude os depoimentos de Alex da Cruz Santos, Bartolomeu Pinheiro de Jesus e Anália Pinheiro. Diante da comissão, eles afirmaram que nunca souberam da existência de um quilombo na região e não assinaram nenhum pedido de auto-reconhecimento. “Eles não ouviram todo mundo, ficaram apenas dois dias no local e ainda dizem que isto não é prova de fraude”, afirmou Elizabete.
Fonte : Correio da Bahia